20% do seu custo assistencial é desperdício clínico

Em 2012, foi publicado um artigo no Journal of American Medical Association (JAMA), onde os autores[1] relacionam o desperdício clínico e administrativo ao gasto de mais de US$ 0,5 trilhão de dólares. Em 2018, o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS)[2] publicou um estudo com a estimativa de que no Brasil, o desperdício clínico e fraudes em 2017 representou 19,1% do custo assistencial, o que se transpormos para 2020, estamos falando de R$ 32 bilhões de reais. 

Partindo deste cenário e sabendo que parte significativa desse desperdício é relacionada ao excessivo foco em procedimentos e na sua execução, sabemos que há pouco ou nenhum foco na jornada do paciente e no controle de desfechos parciais e finais dessa jornada.  Esse foco excessivo em procedimentos e sua execução (bastante relacionado ao modelo de pagamento fee-for-service) permite surgir lacunas na jornada do paciente com efeitos negativos os quais são ampliados pela falta de coordenação, apoio e orientação ao paciente em sua jornada.  Essa desconexão dos players do sistema de saúde com a jornada do paciente (a começar pelo próprio plano de saúde apesar de assumir todo o custo extra gerado) criam espaço para vários tipos de desperdícios:

  1. Falhas na prestação de cuidados – execução deficiente ou com pouca qualidade de cuidados ou falhas na adoção de melhores linhas de cuidados;
  2. Falhas na coordenação de cuidados – o cuidado fragmentado e com várias lacunas resultam em complicações, repetições desnecessárias, reinternações e declínio funcional etc.;
  3. Tratamento excessivo – implica em submeter os pacientes a tratamentos e cuidados que, de acordo com melhores evidências e/ou escolhas do paciente, tem grande probabilidade de não ajudá-los a obter desfechos esperados. Aqui estamos falando de práticas ultrapassadas, recomendações de fornecedores, etc.
  4. Complexidade administrativa – quando os players envolvidos (órgãos reguladores, pagadores, etc.) criam regras e processos ineficientes e/ou equivocados que geram trabalho, controles e atrasos que terminam encarecendo significativamente a assistência clínica.  Por exemplo, na autorização de procedimentos há um excessivo gasto de tempo em análise e discussões com especialistas, resultados de exames e relatórios médicos, 2ª opinião etc. – muitos deles necessários apenas em função de um total desconhecimento da jornada do paciente por parte do plano de saúde.

A implantação de um modelo para gerir o risco assistencial permite ao plano de saúde atuar simultaneamente nesses quatro tipos de desperdício e, assim, obter resultados significativos na redução da sinistralidade.  Propomos um modelo com quatro principais ações, que implantadas em conjunto com um sistema que traga de informação com simplicidade, foco e oportunidade para agir, podem trazer a maior parte da economia potencial no custo assistencial que é perdida com desperdícios (figura abaixo). 

Quatro principais ferramentas para gerir o Risco Assistencial

APS é talvez a mais conhecida das quatro ferramentas e vem atraindo o foco de vários planos de saúde.  Basicamente, é oferecer atenção de primeiro nível objetivando desenvolver uma atenção integral que impacte positivamente na situação de saúde dos pacientes.  Embora seja muito difícil implementar em planos que tem acesso aberto a especialistas, ou seja, a maioria, ela se torna viável com um sistema de informação que permita a equipe envolvida com a APS saber exatamente onde e quando o paciente esteve entre as consultas e, assim agir e realmente ter controle sobre as decisões de beneficiário com acesso a rede aberta.

A Gestão Proativa de Casos, por outro lado é o modelo mais raro de se encontrar no Brasil, embora seja aquele que se pode ter maior contribuição na coordenação da jornada e impacto no custo assistencial.  Basicamente ele necessita de informações objetivas e colhidas em tempo real para identificar e atuar rápida e efetivamente sobre pacientes que estão iniciando um episódio clínico de alto impacto, risco e custo.

A Coordenação de Pacientes Instáveis/sob Risco Imediato, já é mais comum no Brasil embora ainda com foco mais restrito, basicamente estamos falando dos programas de acompanhamento de pós alta para pacientes sob risco de instabilidade e programas de cuidados para idosos frágeis.  Porém, o espectro de ação na coordenação de pacientes instáveis pode ser muito mais abrangente.

Por fim, o Monitoramento de Condições de Saúde Estabelecidas, sendo mais comum as doenças crônicas, é a ferramenta mais difundida e utilizada no Brasil e tem seu resultado já demonstrado, ainda que seja subutilizada na maioria dos casos, pois os profissionais que a operacionalizam não tem acesso a informações atualizadas sobre a utilização dos pacientes monitorados no período entre contatos (passagens por PS, consultas ou mesmo internações). Isso minimiza, significativamente, a capacidade de entrega de seus principais resultados: manter estabilidade do paciente e sua adesão ao programa.

Fica claro que, há oportunidade de ganhos com a implantação de um modelo sólido para gerir o Risco Assistencial.  Também há a necessidade de um modelo de informações 100% orientado para tanto.

Fábio Abreu
20/08/2021


[1] Donald M. Berwick and Andrew D. Hackbarth – Eliminating Waste in US Health Care –  JAMA, Published online March 14, 2012, pg. E1 – E4.

[2] Natalia Cairo Lara – Impacto das fraudes e dos desperdícios sobre gastos da Saúde Suplementar – estimativa 2017 – Atualização do TD n°62-2017 0 – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) – Cabe comentar que nesta publicação a definição de fraudes é vaga e muitas vezes no próprio texto pode depreender como desperdício.

Agir no momento certo é crucial

99% dos eventos de saúde duram menos de 2 dias. Atuar no momento certo é garantir maior qualidade assistencial e com custo significativamente menor.

Ao longo do período de 12 meses, cerca de 5% da população de um plano de saúde representa algo em torno de 50% de todo o custo assistencial. Esse custo pode ser significativamente menor se o plano de saúde gerir o risco assistencial desse grupo, planejando e coordenando a jornada de cada membro desse grupo no momento correto.  Aqui “momento correto” significa iniciar a coordenação quando o paciente “entende e se encanta” com a oferta de apoio e orientação (ou mesmo da assistência) no momento em que ocorre a abordagem inicial.  Ao contrário disso, o “momento errado” é aquele quando o paciente se sente invadido ou quando considera desnecessária uma abordagem. Normalmente  esse “momento errado” ocorre quando abordagem está atrasada, ou seja, quando ele já tomou suas decisões, ou o episódio clínico[1] já se encerrou. 

Em outras palavras, o plano de saúde que já possui todas as informações necessárias em seus bancos de dados (referente a autorizações prévias, auditorias concorrentes e contas médicas) pode trabalhá-las para que se tornem informações disponíveis no momento correto e para que orientem a tomada de ações práticas e proativas.

Gestão em tempo real de dados nas operadoras de saúde: Como gerir melhor o risco assistencial

É importante ressaltar que o plano de saúde recebe praticamente todas as informações necessárias no momento em que os procedimentos são realizados ou mesmo antes, no caso de daqueles mais importantes que necessitam de autorização prévia. Essa posição única dentro do sistema de saúde permite ao plano de saúde gerir o risco assistencial e assumir o papel central na coordenação da jornada do paciente.  Vejamos alguns exemplos do muito que pode ser feito nesse sentido, cujo desdobramento pode ser inferido e permite antever ao papel que o plano de saúde pode ter para reduzir o risco assistencial, isto é, garantir maior qualidade e com menor custo:

  • Mulher, 49 anos realiza exames que indicam estar grávida e seu histórico de utilização traz dois abortos em menos de 3 anos;
  • Homem, 89 anos, foi solicitado aplicação de ciclo quimioterápico de alto custo, sendo diabético e com problemas cardíacos;
  • Homem, 33 anos, foi solicitado 2º ressonância lombar em menos de 2 meses, passou 20 seções de fisioterapias nos últimos 3 meses e sem histórico de fisioterapias nos 3 anos anteriores;
  • Mulher, 45 anos, foi solicitado marcador tumoral há 5 dias e hoje o plano de saúde recebe solicitação de uma biópsia de mama.

Independentemente de resultados de exames, diagnósticos, CIDs e relatórios médicos, o plano de saúde deveria atuar imediatamente, pois nos casos citados acima existem grandes chances de se estar configurando jornadas que podem ter desfechos não conformes ou utilização de condutas de baixa efetividade (aplicação desnecessária ou excessiva de recursos para obtenção de um desfecho que poderia ser obtido com menos recursos).

Atuar no momento certo é garantir maior qualidade assistencial e com custo significativamente menor.

Fábio Abreu
05/08/2021


[1] Episódio clínico deve ser entendido, como a jornada do paciente que inicia quando, por alguma motivação (sintoma, evento, ou mesmo motivação própria, p.e. intervenção estética), ele sai de uma situação de estabilidade clínica até o momento que essa estabilidade é restabelecida.  Um episódio clínico pode demorar horas, semanas ou meses, por exemplo, um episódio para redução de peso por intervenção cirúrgica, entre o processo de preparação, intervenção, estabilização e acompanhamento até alta definitiva deveria durar em torno de 18 meses.